Relatos traumáticos de uma estudante no TCC/TFG de arquitetura e urbanismo
Thaisa M. Porfirio • 2 de outubro de 2019
TFG, O KARMA.

Finalmente, após uma certa aversão, falarei sobre ele: O TFG.
Entretanto, estejam preparados para prováveis reclamações, muito mimimi e surtos, podendo culminar em um espiral de raiva. Eu realmente preciso dizer o quão desgastante foi esse tal TFG. Minha vontade, na realidade, era colocar nos anexos da minha monografia um pequeno manifesto dizendo: TFG is a karma and karma is a bitch, dentre outras coisas.
Me controlei, escrevi o Arquitetura na Nuvem, tentei ser útil e sutil, e me dar por satisfeita. Considerando que a tal monografia é um trabalho acadêmico que vai ficar eternizado (ui) e arquivado na biblioteca – afinal ela e o projeto eram os produtos finais necessários para concluir essa jornada de 5 anos. Finalmente, para eu poder sair gritando nua por ai:
“I’m architect bitcheeeeeeees”
Admito, não foi tão chato no começo, aliás parecia incrivelmente fácil (um ano inteiro, um único projeto, moleza), em dezembro de 2013 lembro de comentar com as minhas amigas: “vou terminar o TFG em 6 meses e aproveitar pra ficar de boa resto do ano”. Ah é claro que eu ia, arram, tá certo Thaisa, senta lá. (E sim eu vou usar os jargões que eu quiser, quando eu quiser, mesmo que estejam ultrapassados, old but gold)
Pesquisa, urrul, internet, estudos de caso, começou legal…, então vieram as teorias e milhões de referências de dois temas simples, objetivos, sem polêmicas que eu resolvi unir, porque não né? Arquitetura Bioclimática e Habitação Social. (Dá até arrepio ler essas palavras). Já começou a ficar chato, teoria, teoria e teoria, e olha que eu gosto. (imagina se não gostasse)
Por fim projeto, já era hora. Croquis, iupiiiiii, canetinhas êeee. Colorir, riscar, traçar, idealizar tudo aquilo, tranquilo e divertido. Parecia tudo nos eixos. Passou 6 meses. “Ok não terminei em 6, mas mais 2 meses acabo, tranquilo.” – Eu sendo juvenil, subestimando o TFG.
“Agora vai ser só passar a limpo, jogar no 3D, finalizar a monografia e a maquetinha, fim.” – Juro, eu pensava assim, achava que estava tudo lindo, mal sabia eu, mal sabia.
Mas não, não foi assim. Era até previsível que eu iria deixar alguns detalhes pra última hora, isso nem foi o mais desagradável. O que mais me irou foi o fato de eu não aguentar mais olhar para tudo aquilo – simplesmente ficar semanas, (…) semanas…, semanas e mais semanas, desenhando e fazendo o 3D e depois descobrir que teria que passar mais semanas e semanas e semanas, porque ele simplesmente era interminável. (Reforçando, eterno, sem fim, infinito)
Isso sem considerar o fato de trabalhar em um computador com processador Pentium 4, Windows XP, 2gb de memória, uma placa de vídeo Geforce Fx 6200 (que eu roubei da minha irmã) e um HD de 80gb. Ou eu ouvia música ou eu abria o autoCAD, o 3D não comportava nem as árvores em 2D. Hachuras? Jamais. Mas sim eu fazia milagre com aquela coisinha linda fofa, que eu morro de saudades. (Nível elevado de ironia detectado)
Se me dessem uma aranha, nanquim e uma régua T, seria mais produtivo. E ainda daria tempo de esculpir a maquete numa rocha de mármore, e provavelmente seria mais rápido que usar aquele computador.
Finalmente, depois de muito esforço (obrigada papi), meu pai conseguiu me dar um computador novo, lindo, elegante, descente, digno, gigante e suculento. Seria o ápice, passaria noites e noites e dias e tardes seguidos navegando na velocidade da luz e renderizando todas as cenas em todos os ângulos, seria perfeito. Mas não, nem o computador dos sonhos foi capaz de me animar, nem um render básico feito em 53 segundos me despertou interesse.
Como se não bastasse a pressão do TFG, eu havia me empolgado em participar de um concurso proposto pela CBCA, o tema casava, habitação, aço, etc. Porque não né? Vamos lá.
Foi então que, no final de setembro, com o fim do concurso, foi também o meu fim. Depois de ter dado todo o gás possível, entreguei o concurso. Exausta, porém feliz, acreditando ter acabado o TFG – supostamente era só adaptar as pranchas no formato da faculdade, revisar a monografia e fazer a maquete, simples. Tinha tempo e era pouca coisa. (Doce ilusão!)
Alerta, se sua lista de itens a finalizar um TFG for:
– Revisar a monografia
– Revisar o projeto
– Fazer a maquete
Corra, corra para longe, finja um sequestro, suma, desapareça. Forje sua morte e vá vender as coisas que a natureza dá, na praia, com a Milena (do Enem, para os leigos). Ou fique, encare os fatos e sofra as consequências.
Pura ilusão, achar que eram três tarefas simples. Eu estava completamente esgotada, era fim de setembro, e eu tinha morrido. Passei uma semana sem fazer nada, mal conseguia sair da cama, chorei, e como chorei. E chorava mais, por me ver chorando, e saber que nunca tinha chorado em 4 anos e 7 meses de faculdade. Lá estava eu, aos prantos, em posição fetal, sem energia para dar um clique. (Dramático, porém real, entenderam né? Eu, chorando, peculiar.)
O TFG realmente testou os limites da minha sanidade, da minha integridade física, mental, psicológica, sem contar dos amigos que me afastei, alguns até mesmo bani por um tempo (por questões de segurança) e principalmente a pouca atenção que dei aos meus animais de estimação (leia-se também a minha irmã.)
Por sorte uma pausa merecida, a última viagem da Atividade Cultural Programada, para Curitiba. Então ao som de I’m so fancy, com as Amy’s (leia-se minhas melhores amigas de faculdade S2) recuperei um pouco das forças. Voltei, e rastejando terminei as revisões.
Agora só faltava a maquete. Só. (Quando falta só a maquete, saibam, vocês continuam tão ferrados quanto, só esclarecendo.)
Mas era só abrir as pranchas pra conferir alguma coisinha, que lá estava, algo errado, algo pra fazer, algo pra arrumar, etc etc etc. Todo o dia eu acreditava ter terminado, e descobria que não. Na monografia não era diferente, referências bibliográficas, acrescentar fonte, até começar a ler alguns parágrafos isentos de sentido, voltava eu, arrumando, revisando. Tudo isso enquanto executava a maquete, ou ela me executava, não sei ao certo.
A tristeza voltou e reinou, a ponto de eu querer jogar tudo pela sacada, computador, monografia, pedaços da maquete, eu mesma. Eu já não tinha mais cama, tinha momentos em que no meio dos isopores, ps, gravetos, cola superciano, tinha 5 copos, 3 pratos, 7 embalagens de todas as refeições aleatórias que eu fazia, ao mesmo tempo.
O limite da sanidade havia passado, eram momentos em que, fazia maquete, 2D, 3D, monografia, (quatro itens simples, tranquilos, quase sem erros, uma delícia) tudo ao mesmo tempo, em um ritmo frenético insano, em que eu não sabia mais quem eu era, e o porque daquilo tudo. Arquitetura? Apenas da destruição.
Foi então que busquei relaxar um pouco, afinal fazia quase 3 meses que não saia, não me divertia, não vivia. Já louca, comecei a aplicar um método vital, para que eu pudesse suportar todo aquele karma, método que batizei de – a zueira não deve perdoar nem na arquitetura – muitos devem ter achado ridículo e possivelmente desnecessário.
Quem liga, eu finalmente, depois de um bom tempo jururu, estava me divertindo a duras penas. (Sim, eu usei jururu, sim eu sou cafona, lidem com isso.)
Descobri um tutorial para criar imagens 2D no sketchup (Aliás, eu já deveria saber fazer aquilo faz tempo, considerando o nível super mega babaca de dificuldade), e comecei a colocar todo tipo de zueira nos meus renders (que alias ficaram uma porcaria, se não fosse pelo toque artístico).
Enfim, ao som de Wrecking Ball, não resisti e coloquei a Srta. Cyrus pendurada na minha viga metálica de 80cm, em forma de protesto, dizendo “you wreck me TFG”, depois teve o Homem Aranha aproveitando o vão livre no nível do passeio público, mas ai achei que seria zueira demais postar isso, guardei pra mim. (Não sei qual o parâmetro que usei para achar menos zueira a Miley Cyrus nua na bola de demolição do que o homem aranha, enfim o universo e seus mistérios né, já dizia Marcelo Gleiser)
Por fim, resolvi que deveria eternizar o TFG com coisas boas, que de fato me fizeram lembrar que a vida é importante, e o TFG era só um grão de areia perto de tudo que eu tinha pra viver, e eu estava fazendo dele um monstro. Então decidi homenagear minha família e minhas amigas de faculdade, claro do meu jeito, mas do fundo do coração, foi a forma de mostrar que todos eles foram vitais para minha jornada. Apesar de estar com raiva do TFG, todas aquelas pessoas estavam sempre em meus pensamentos (eu, demonstrando afeto, observem).
Então dei inicio a finalização da maquete (Isso porque eu estava acabando). Surtei. As madeiras não colavam entre si, mas colavam meus dedos, o superciano ardia meu olho, vivia o dia todo cheia de tinta, meus amigos nem ouviam falar de mim, alguns corajosos apareciam aqui, até me ajudaram, fofos. (aliás agradeço muito S2).
Destruí meu quarto, minhas unhas, fiquei chata (mais), insuportável (mais), grossa (mais), sujei a casa toda (muito mais), manchei almofadas da minha mãe (fui descoberta algum tempo depois, mesmo virando elas ao contrário), manchei a parede, estraguei o piso, dormi 10 dias com o ventilador desligado pra não espalhar a grama e o isopor pela casa toda, ou seja o caos.
Sim fui dramática, trágica, exagerada, mas acreditem no poder da intensificação dos sentimentos quando você está na fase do Trabalho Final de Graduação. Não bastava estar a beira de um ataque de pelancas, um surto psicótico, uma crise de choro compulsiva. Por fim, dia 11/12/14, entreguei o trabalho na faculdade. Agora faltaria o último momento, a tal Banca Final, marcada para o dia 13/12/14.
Apesar do medo, sabia seria aquela a batalha final da saga TFG. Sabia que seria de fato uma “guerra”, e que possivelmente seria testada, atacada e contestada. Tinha que estar preparada. E apesar de não ter medo de contra-argumentar, dessa vez, desejei que as respostas não fossem mirabolantes e vindas do além, (ainda que funcionassem sempre), desejava não ter que vencer vendendo o tal peixe através da famosa lábia, mas ainda assim me mantive preparada.
Supostamente pronta para a defesa, em qualquer aspecto que fosse necessário, munida de todo dado técnico sobre o trabalho, que eu pudesse afirmar com convicção, em caso de uma tragédia grega.
Com todo meu arsenal de argumentos, pronta para atacar a qualquer um que fosse necessário, seria a hora de provar a eficácia do meu suposto potencial persuasivo, o qual me salvou durante todo o decorrer da faculdade.
Amanheceu o dia 13/12/14, e às 10h30 apresentei o TFG.
Sobre aquele momento:
Todo e qualquer argumento ficou guardado, intacto. Aqueles 40 minutos, em pé em frente a banca, compensaram cada segundo de sofrimento em 2014. E ao invés da postura persuasiva, tive conter as lágrimas a cada elogio, me mantendo firme e séria, ainda que meu coração saltasse, repleto de alegria.
Engraçado e irônico, estar preparada para a guerra, mas não estar preparada para as flores. É dessa forma que deixo aqui registrado o meu mais sincero obrigada, pelo reconhecimento e carinho com que me avaliaram. Obrigada à vocês, professores.
Este texto foi escrito em 2015.
Depois dele, em FEV de 2015 nasceu o Arquitetura na Nuvem.
E anos depois, eu (Thaisa) e minha equipe Arquinuvem, seguimos produzindo conteúdo para todos os estudante de arquitetura e urbanismo. Em forma de agradecimento e altruísmo.
Para que nenhum estudante de arquitetura tenha que passar pelo que eu e muitos outros passamos.
Obrigada.
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